Casa
Espírita Missionários da Luz
Estudo Livro Nosso Lar – 28/06/2016
Tema:
Capítulo 21 de Nosso Lar – Esquecimento do Passado
Objetivos:
- Identificar as condições para a
lembrança de vidas anteriores;
- Refletir sobre a importância do
esquecimento do passado.
Bibliografia:
- Nosso Lar, André Luiz/Chico
Xavier, Cap. 21
LE, perg 392
Evang., Cap. V ‘
Esquecimento do Passado’ – item 11
Entre a
Terra e o Céu, André Luiz, cap, 13 e 14
História que os Espíritos Contaram – ‘A Filha de Ho-San’, Hermínio C.
Miranda
Material: textos para os grupos
Roteiro:
. Resumo do
capítulo no início;
- Divisão em
2 grupos, para estudo de textos sobre recordação de vidas passadas;
-
Apresentação dos grupos;
- Fechamento
com as informações de D.Laura em André Luiz, em Nosso Lar.
Desenvolvimento:
1. Prece Inicial.
2. Iniciar comentando alguns pontos do
capítulo 21:
- bônus-hora – cupons recebidos por
horas em serviço. Trinta
mil bônus-hora = necessário para adquirir uma casa em Nosso Lar (nunca mais de
uma). Ricardo, marido de D.Laura, conseguira adquirir uma casa para a família,
depois de 18 anos de desencarnado.
- “Compreendi, depois, que a existência laboriosa
me livrara das indecisões e angústias do Umbral, por colocar-me a coberto de
muitas e perigosas tentações. O suor do corpo ou a preocupação justa, nos
campos de atividade honesta, constituem valiosos recursos para a elevação e
defesa da alma.”
3. Vamos agora estudar alguns casos sobre a recordação de
vidas passadas. Propor a divisão em grupos para estudo de textos de Hermínio
Miranda e de André Luiz (Entre a Terra e o Céu).
i. História que os Espíritos Contaram – ‘A Filha de Ho-San’, Hermínio C.
Miranda
(doutrinação de um Espírito em mesa mediúnica –
regressão como terapia para doutrinar o obsessor)
ii. Entre a Terra e o Céu – André Luiz, Cap. 13 e 14 – regressão por passes
magnéticos (terapêuticos) em desencarnado e em encarnada, emancipada durante o
sono).
4.Apresentação dos grupos
5. Fechar com os pontos trazidos por D. Laura, a André
Luiz:
- A recordação do passado foi após o concurso do
tempo:
“
(...) é indispensável nos
despojarmos das impressões físicas. As escamas da inferioridade são muito
fortes. É preciso grande equilíbrio para podermos recordar, edificando.”
“Portanto, somente a
alma, muito segura de si, recebe tais atributos como realização espontânea. As
demais são devidamente controladas no domínio das reminiscências, e, se tentam
burlar esse dispositivo da lei, não raro tendem ao desequilíbrio e à loucura.”
‘quando se me aclarou a visão interior, as lembranças
vagas me causavam perturbações de vulto.’
Aconselharam-nos
os técnicos daquele Ministério a ler nossas próprias memórias, durante dois
anos, sem prejuízo de nossa tarefa do Auxílio, abrangendo o período de três
séculos. O chefe do serviço de Recordações não nos permitiu a leitura de fases
anteriores, declarando-nos incapazes de suportar as lembranças correspondentes
a outras épocas.
A
leitura apenas informa. Depois de longo período de meditação para
esclarecimento próprio, e como surpresas indescritíveis, fomos submetidos a
determinadas operações psíquicas, a fim de penetrar os domínios emocionais das
recordações. Os espíritos técnicos no assunto nos aplicaram passes no cérebro,
despertando certas energias adormecidas... Ricardo e eu ficamos, então,
senhores de trezentos anos de memória integral.
LE perg. 392. Por que perde o Espírito encarnado a lembrança do seu passado?
“Não pode o homem, nem deve, saber tudo. Deus assim o quer em sua
sabedoria. Sem o véu que lhe oculta certas coisas, ficaria ofuscado, como quem,
sem transição, saísse do escuro para o claro. Esquecido de seu passado ele é mais senhor de si.”
3.Prece final
História que os Espíritos Contaram – ‘A Filha
de Ho-San’, Hermínio C. Miranda
(doutrinação de um Espírito em mesa mediúnica)
- Foi uma história, meu amigo, dos muitos dramas que existem aí
espalhados pelo universo. Foi numa cidade espanhola. Eu era um rico
proprietário de terras, muito rico. ”Un rico Senor”. . . (Dá um pequeno sorriso
triste. E prossegue:) — Eu tinha uma família. E uma filha que era quase uma
menina. Um dia, acolhi na minha fazenda, nas minhas terras, um personagem que
havia sido perseguido em outra cidade por causa de uma pequena revolução, em
que se metera. Eu o acolhi, eu o ajudei, fiz dele um membro da minha
família. Eu lhe dei tudo: ”status” social; até um título consegui para ele.
Pois é. . . E qual foi a paga que tive desta criatura que comeu ao meu lado, na
minha mesa, partilhou da minha família? É. . . (Suspira. Pausa. A lembrança é,
evidentemente, muito penosa). Por causa dele eu perdi essa minha filha.
- Como perdeu? Vamos! Ela fugiu?
- O que ela fez, para mim não tem a menor significação, porque era uma
criança, mas ele a seduziu. . . (Longa pausa, hesitações...) Ah! horrores!...
Tínhamos, naquela época, você sabe, cofres onde guardávamos os bens. Não
existiam os bancos que existem hoje. Ele a fez roubar os bens da família. E
fugiu com ela. Eu, naturalmente, fui procurá-la. Procurei-a como um louco. Era
minha única filha. Nela eu depositava todas as minhas esperanças, todos os meus
sonhos. Não. Eu não a achei. E passou-se muito tempo. Eu o denunciei às
autoridades, mas nada adiantou. Passaram-se os anos. . . Minha mulher murchou
que nem uma flor, à qual você tira a água, o sol e foi secando, e foi
secando... até que já não restava mais nada senão entregar a alma a Deus.
- É, realmente, uma história muito triste. Lamentável...
- Não, mas aí não está ainda tudo. Anos depois eu me dirigia a uma outra
cidade sozinho. Para que me interessavam as terras e os bens se eu nada tinha,
se meus maiores bens me haviam roubado?
- Sim, partira a esposa e você estava sem a filha.
- Fui um dia a uma cidade e a encontrei num albergue.
- Você a reconheceu?
- Não. Não aquele anjo que deixou a minha casa, mas a reconheci.. . Algo
desfigurada...
- Estava sozinha? Abandonada?
- Sim. Ele a prostituiu e abandonou-a. E fugiu, porque o que ele queria
era o dinheiro.
- Você a retomou para cuidar
dela? Longa hesitação. Depois:
-
Não.
- Meu filho, você não era o pai dela? Que você fez?
- Eu precisava vingar-me. O que fiz, então, foi procurá-lo que nem um
louco para matá-lo, para picá-lo, para fazê-lo sofrer.
- Você o achou? Ainda naquela vida?
- Não. Não achei. E eu o tenho procurado.
- Mas você o achou agora?
- Não quero encontrá-lo em posições diferentes, porque a minha vingança
terá que ser muito grande. (Desejava, pois, uma situação semelhante àquela em
que estiveram na Espanha).
- Sei. E ela? Você nunca mais viu?
- Retomei, depois, à tal cidade, mas não a encontrei mais.
- Então, meu querido, você teve oportunidade de ajudá-la, mas não quis.
Era sua filha! Porque você estava com ódio dele, ela não merecia a sua ajuda?
Mas, a pergunta não é tão relevante. A pergunta mais importante. . . você me
perdoa. . . Você acha que todo esse drama doloroso, essa tragédia lamentável,
você a sofreu inocentemente?
- Eu a encontrei depois, porque continuei a procurá-la, mas era tarde.
Só pude levá-la de volta para enterrá-la. Morreu em meus braços, tuberculosa,
podre, totalmente, o organismo. - E com isto, você vê que secaram as fontes de
sentimento dentro de mim. Tudo secou, meu amigo, e daí poder falar nisso com
frieza. Já não sinto mais. . .
- Sente sim, porque você teve esperança de encontrá-la aqui hoje.
- Esta noite. . . Não esta noite. . . Projetaram em minha mente uma
imagem dela, menina, bela, nos tempos em que éramos só nós três: eu, ela e a
mãe.
- Vamos mais para trás no tempo. Vamos buscar a causa dessa dor tão
grande, no passado, numa vida anterior. Onde estiver o problema, você vai
encontrá-la. Vem comigo. Confia em mim, tenha paciência, tenha
coragem.
Após longo silêncio, já regredido no tempo, o
Espírito volta a falar:
- Laos. Acho que é um lugar.
Trata-se do país asiático localizado ao sul
da China, entre Burma e a Tailândia, de um lado, e o Viet-Nam, de outro, ao
Norte do Camboja.
-
Você vive aí?
-
Vivo.
-
Que você faz?
- Colho arroz.
- Quem é que vive com você? Você é casado? Tem filhos?
- Não. Não tenho.
- Vamos ver, então, o que se está passando com você. Me conte.
- Vivo com o velho Ho-San e sua filha.
- Você não é filho dele, então?
- Não.
- Você é jovem?
- Sou. . ,. Jovem...
- A filha é muito
bonita?
- É.
- Você gosta dela?
- Gosto.
- E você pretende casar-se com ela?
- Ela não quer, porque seu pai só tem a ela.
- Ele tem muito dinheiro?
Ele é rico?
Longo silêncio.
- O que é ser rico?
-Ter muitas coisas, muitas propriedades, muito arroz.
- Ele tem.
- Você não? Você é empregado, trabalhador?
- Eu não (tenho).
- Vamos ver, então, o que aconteceu. O que você fez? Você pediu para
casar-se com a moça?
- Eu... um dia, lá no arroz, eu a forcei. Ela lutou, caiu, bateu com a
cabeça numa pedra e morreu.
- E o que você fez, depois disso? Fugiu?
— Eu tive medo. Sabia
onde ele guardava as suas riquezas e precisava fugir e. . . Mas ele, preocupado
com ela que não chegava, surpreendeu-me no momento em que eu retirava. . . E
ele olhou para mim sem compreender e disse: ”Meu filho!” Tomei de uma faca e o
ataquei. Eu não queria fazer aquilo!
- Sei. É claro. E ele morreu ali?
- E eu fugi.
- Então, meu querido. Agora vamos voltar ao nosso presente, aqui. Vem
comigo, guardando as lembranças desses dois episódios, para que possa
confrontá-los e concluir você mesmo.
- Estou com frio, com muito frio. Meus pés estão frios, gelados...
- Escute uma coisa. Quero que você entenda, por favor, a razão das suas
dificuldades, da sua dor, da sua agonia na Espanha, confrontando-a com o
episódio do Laos. Confronte os dois, porque você mesmo precisa concluir, não
eu. Para saber se há ou não justiça nas leis divinas. Aquilo que você sofreu é
sempre exatamente a réplica do que fez a outrem sofrer. Está entendendo agora?
- A que isto me leva, então? À inatividade. comparar ...
- Não, meu filho. Leva à conclusão de que você não sofreu inocentemente;
apenas repôs as coisas perante a Lei.
- Mas eu sofri. Não interessa se foi inocente ou não. Eu sofri uma dor
terrível!
- Mas você acha que ele também não sofreu? E a moça também, lá no Laos,
esse sofrimento todo causado por você? Você acha que eles não sofreram nada?
Ele te criou, te alimentou e sustentou. Você era um verdadeiro filho para ele
e, no entanto, você assassinou, praticamente, a filha única que ele tinha.
Então, o episódio se repete e você acha que não tem...
- Não. Ela não foi minha filha.
— Não teria sido a mesma criatura, o mesmo
Espírito?
- Não seria justo que ela morresse duas vezes.
Nesse ponto ele lembra, ou admite um pormenor
importante e diz:
- Sim, ela foi a esposa (na Espanha). ..
- E ele? Está entendido agora, meu querido? Que você acha disso tudo?
- Mas eu fui bom para ele.
- Ele foi bom para você também. Você o matou porque queria o dinheiro
dele.
- Ele não me matou; matou minha filha.
- Você matou a filha dele também, não é? Está entendido?
- Por que ele tinha que me fazer isso?
- Por que você tinha que fazer aquilo a ele? Você não precisava matá-lo,
não precisava forçar a filha que não queria você. Compreendeu a simetria
perfeita?
- Estou confuso! Estou perdido!
- Qual a conclusão que você tira disso tudo?
- Minha mente está confusa! Estou muito confuso!
E por fim, penosamente:
- Sou um réu; não posso fazer justiça.
- Estou de acordo com você nisso. Esse é o primeiro pensamento positivo
que você tira de toda essa tragédia. Se você continua a vingar-se, o drama
prossegue no futuro. Você terá decepções e vai achar que foi por causa da sua
bondade que sofreu, o que não é verdade. Isso é um raciocínio inteiramente
falso, como você acabou de verificar. Está entendido? Agora, me faça uma coisa.
Eu pedi anteriormente que você me ajudasse a te servir. Esta oferta continua de
pé. Queremos te estender a mão. . .
-Sinto uma dor profunda, aqui no coração.
— Sei. Mas, creio que
o espírito dessa moça não tem nenhum rancor por você e deseja realmente esse
reencontro. Esteja preparado para ir ao encontro dela.
- E a esposa, a minha esposa? Ela me amava. . .
- Continua a te amar, da mesma maneira. O fato de ela ter morrido
fisicamente não quer dizer que também morreu em espírito. Em algum ponto ela
deve estar à sua espera. Você gostava dela, não é? Era uma boa esposa.
- Eu a amava. Éramos tão felizes!
- Vamos fazer uma coisa. Eu sei que isso tudo te causou uma grande
confusão e uma grande perplexidade. Segue com os nossos companheiros aqui
presentes.. .
- Eu sou culpado. Agora vejo claro. Eu não lhe disse tudo. Ele quis
casar com a minha filha, mas... ele não tinha, para mim, posição e qualidade. Talvez
se eu tivesse concordado nada teria acontecido.
- Certamente. Mas deixa dizer-te uma coisa que é muito importante. Este
remorso. . .
- Ela lhe teria restituído os bens; ela era a minha única herdeira.
- Pois é. Você teria netos e uma felicidade total com a sua esposa. Essa
oportunidade você deixou escapar, mas...
- Tudo isso é uma loucura! Isto a que você chama de ética. E esta ética
da Lei. . .
- Escuta, meu filho. Não vamos discutir filosofia agora. Estamos
tratando aqui de emoções, de sentimentos; deixa a filosofia de lado. Vamos
resolver o seu problema pessoal. Quero te fazer um pedido. Não deixe que esse
remorso, esse arrependimento, essa agonia paralisem você. Você tem condições. .
.
- Mas perdi tanto tempo!
- Sei, mas agora você vai recuperar. .. então?
- Mas por que me deixaram errar?
- Sei, mas agora você vai recuperar. Você aceita vir conosco, então? Meu
filho, nós temos o livre-arbítrio para decidir aquilo que queremos fazer. Você não
estava disposto a vingar-se mais uma vez? Poderia tê-lo feito; você sabe que
não te convém. Nosso Paulo dizia que ”tudo me é lícito, mas nem tudo me
convém”. A Lei permite que você faça isso, mas não aprova.
- Um réu não pode fazer justiça.
- Você vai ter muito tempo para meditar essas coisas mas agora, você vai
repousar.
O doutrinador o
adormece por meio de passes e o confia aos cuidados dos trabalhadores
espirituais do grupo.
Pouco há aqui a
comentar, a não ser insistir em chamar a atenção do leitor para a absoluta
segurança das leis divinas que, a partir dos compromissos cármicos, armam com
total fidelidade e simetria as situações de que precisamos para o reajuste.
Pacientemente, vão sendo planejadas as posições de cada um, até que se tome possível
reunir todos os elementos de que necessitamos para dar o testemunho de que
aprendemos a lição do amor. E muitas vezes, depois de tudo caprichadamente
reunido, falhamos novamente, desperdiçando mais uma excelente oportunidade de
redenção. Nesse ponto, começa tudo de novo, até que um dia — Séculos depois?
Milênios? — personagens e situações se possam ser novamente confrontadas.
No caso que acabamos
de relatar, um jovem é acolhido como filho de uma pequena família já mutilada
pela partida da esposa, no Laos, há séculos. No descontrole de sua paixão pela
jovem, filha única do velho Ho-San, em vez de procurar conquistá-la pouco a
pouco pela sua dedicação e carinho, ou renunciar a ela, ele procura possuí-la à
força e acaba, acidentalmente, por provocar a sua morte. Antes de fugir, sob a
justificativa de que precisava de dinheiro para a fuga, assalta a casa que era
o seu próprio lar e que, talvez, até viesse a herdar, casando-se com a moça.
Surpreendido no ato pelo velho, assassina-o também.
Séculos depois, a
antiga jovem assassinada é, afinal, a esposa querida da Espanha, a quem tanto
ama. É rico e feliz, quando o ciclo do reajuste se abre: acolhe como filho
aquele a quem roubou os haveres, a filha e a vida no Laos. É hora de
restituir-lhe os bens materiais e a paz espiritual. O mecanismo estava armado
para que, casando-se com a filha do nobre espanhol, o antigo Ho-San recuperasse
os seus bens materiais normalmente, através da herança, pela ordem natural das
coisas, sem violências e sem aflições. Até o relacionamento entre os dois
jovens do Laos foi regulado com inteligência e amor, pois a paixão dele por
ela, agora, na Espanha, adquirira as tonalidades do respeito e do amor legítimo
do esposo, enquanto o velho Ho-San voltava como genro e pai eventual de seus netos.
Nisso tudo, porém,
existiam os testemunhos. O rico senhor de terras e de títulos precisaria
superar o orgulho irracional e aceitar como genro aquele a quem lhe competia
restituir os bens. Recusou a filha em matrimônio legítimo simplesmente porque
não considerava de boa linhagem social o jovem pretendente. Quanto a este,
teria que sublimar sua paixão e conter sua ambição e impaciência, tentando a
persuasão que, aliás, não seria impraticável, de vez que o poderoso nobre o
acolhera como filho, tendo, portanto, por ele um mínimo de afeição e
predisposição para aceitá-lo na família. Era preciso esperar com paciência ou
estar preparado mesmo para uma recusa definitiva, pois também ele deveria ter
seus problemas cármicos, alguns dos quais teria resgatado tão dolorosamente no
Laos. Ao revoltar-se, partindo para a violência, a sedução, e o posterior
abandono da jovem, reabriu o círculo vicioso do erro que clama por reparações
dolorosas que, por sua vez, porão à prova nossa paciência, compreensão e
humildade.
Quanto à moça, que no
Laos recusara a paixão atormentada, agora aceitava o antigo agressor e
assassino de seu pai como esposo, num relacionamento sublimado. Ao falhar o
esquema pelo reaquecimento das paixões, ela consumiu-se, ”murchou como uma flor
sem sol e água”, na expressão dolorida de seu marido.
E no futuro, o que
espera estes seres? Novas tentativas de reajuste, novos testes, novos
propósitos e esperanças. competentes e devotados Espíritos, que poderíamos
talvez chamar de ”engenheiros do amor”, um dia estudarão criteriosamente todas
essas fichas cármicas e traçarão, com a participação dos interessados, novo
programa de trabalho, tudo pensado, ajustado, certinho, nos seus mínimos
detalhes. Daí em diante, só resta orar para que tudo dê certo e para que, uma
vez encarnados, mantenham-se os bons propósitos e se cumpram os dolorosos
testemunhos.
Entre a Terra e o Céu – André Luiz, Caps. 13 e 14
A casinha dormia, calma.
(casa de D.Antonina, que dormia no
quarto)
Acocorado a um canto, o velho Leonardo mantinha-se na sala, pensando...
pensando...
Adensámo-nos, ante a visão dele, e, reconhecendo-nos, ergueu-se e começou a
gritar:
— Ajudai-me, por amor de Deus! Estou preso! preso!...
Clarêncio, bondoso, convidou-o a acomodar-se na poltrona simples e
induziu-o à prece.
O velhinho, contudo, alegou total esquecimento das orações que formulara no
mundo, crendo que apenas lhe serviriam as palavras decoradas, mas o orientador,
elevando a voz, com o intuito evidente de sossegá-lo na confiança íntima,
pronunciou comovente súplica à Divina Providência, implorando-lhe proteção e
segurança para quem se mostrava tão desarvorado e tão infeliz. (...)
Clarêncio, logo após a oração, começou a aplicar-lhe forças magnéticas no
campo cerebral.
O paciente revelou-se mais intensamente abatido. A cabeça pendeu-lhe sobre
o peito, desgovernada e sonolenta.
Fitando-nos de modo significativo, o Ministro ponderou:
— A corrente de força devidamente
dinamizada no passe magnético arrancá-Lo-á da sombra anestesiante da amnésia.
Poderemos, então, sondar-lhe o íntimo com mais segurança. Assistido por nossos
recursos, a memória dele regredirá no tempo, informando-nos quanto à causa que
o retém junto da neta, aclarando-nos, ainda, sobre prováveis ligações que nos
conduzirão à chave do socorro, a benefício dele mesmo.
— Mas o retrocesso das recordações
poderá verificar-se de improviso? — indagou Hilário, perplexo.
— Sem dúvida — respondeu o instrutor
—, a memória pode ser comparada a placa sensível que, ao influxo da luz, guarda
para sempre as imagens recolhidas pelo espírito, no curso de seus inumeráveis
aprendizados, dentro da vida. Cada existência de nossa alma, em determinada
expressão da forma, é uma adição de experiência, conservada em prodigioso
arquivo de imagens que, em se superpondo umas às outras, jamais se confundem.
Em obras de assistência, qual a que desejamos movimentar, é preciso recorrer
aos arquivos mentais, de modo a produzir certos tipos de vibração, não só para
atrair a presença de companheiros ligados ao irmão sofredor que nos propomos
socorrer, como também para descerrar os escaninhos da mente, nas fibras
recônditas em que ela detém as suas aflições e feridas invisíveis.
— Quer dizer então que...
A frase de Hilário, porém, se lhe apagou nos lábios, porque o Ministro
atalhou, completando-lhe a conceituação:
— A mente, tanto quanto o corpo físico, pode e deve sofrer intervenções
para reequilibrar-se.
Mais tarde, a ciência humana evolverá em cirurgia psiquica, tanto quanto hoje vai avançando em técnica
operatória, com vistas às necessidades do veiculo de matéria carnal. No grande
futuro, o médico terrestre desentranhará um labirinto mental, com a mesma facilidade com que atualmente
extrai um apêndice condenado. (...)
Acariciou, ainda por alguns instantes, a cabeça do ancião e, em seguida,
chamou-o, de manso:
— Leonardo, recorda! Volta ao
Paraguai, onde adquiriste o remorso que hoje te retalha o coração! A dor, quase
sempre, é culpa sepultada dentro de nós... Retrocedamos ao ponto inicial de teu
sofrimento!... Recorda! Recorda!...
O velhinho, diante de nosso
intraduzível assombro, acordou de olhos transtornados.
Ergueu a fronte, mas seu rosto alterara-se de maneira sensível.
Sustentava iniludivelmente os traços fundamentais, mas fizera-se mais
jovem.
Registrando a surpreendente transfiguração, Hilário interferiu,
perguntando:
— Oh! que força mágica será esta?
Nosso orientador fitou-o, sereno, e esclareceu:
— Não nos esqueçamos de que temos diante de nós o veículo espiritual, por
excelência vibrátil. O corpo da alma modifica-se, profundamente, segundo o tipo
de emoção que lhe flui do âmago. Isso, aliás, não é novidade. Na própria Terra,
a máscara física altera-se na alegria ou no sofrimento, na simpatia ou na
aversão. Em nosso plano, semelhantes transformações são mais rápidas e
exteriorizam aspectos íntimos do ser, com facilidade e segurança, porque as
moléculas do perispírito giram em mais alto padrão vibratório, com movimentos
mais intensivos que as moléculas do corpo carnal. A consciência, por fulcro
anímico, expressa-se, desse modo, na matéria sutil com poderes plásticos mais
avançados. (...)
Nesse ínterim, Leonardo soerguera-se. Parecia animado de estranha energia.
O corpo, não obstante continuar obscuro e pastoso, revelava-se desempenado.
Repentinamente refeito, vigoroso e móbil, clamou:
— Lola! Lola! estás aqui? Sinto-te a presença... Onde te ocultas? Ouve-me!
ouve-me!
Com inexprimível espanto, vimos dona Antonina escapar do aposento, no corpo
espiritual com que a divisáramos na véspera.
Avançou ao nosso encontro, extremamente surpreendida, e, avistando o avô
transfigurado, como se fosse tangida no imo da personalidade por misteriosa
influência, estampou súbita alteração facial, renovando-se igualmente aos
nossos olhos.
As linhas do semblante modificaram-se, de inopino, e vimo-la realmente mais
bela, todavia, menos serena e menos espiritualmente.
Favorecendo-nos o máximo proveito nas observações, o Ministro falou em voz baixa:
— Nossa irmã exige tão somente leve auxílio magnético para
lembrar-se. Basta-lhe a emotividade anormal do reencontro para cair na Posição
vibratória do Passado, de vez que ainda não se encontra quitada com a Lei.
Aterrada, Antonína rojou-se de joelhos aos pés do ancião que se
rejuvenecera ao influxo dos passes de Clarêncio e gritou:
— Leonardo! Leonardo!
Ele, porém, irradiando no olhar ódio e padecimento intraduzíveis bradou:
- Enfim!... Enfim!
E prorrompeu em pranto Convulso.
Estupefatos ouvimos Clarêncío que nos informava, generoso:
- Repararam? Antonina é Lola Ibarruri reencarnada. Leonardo está vinculado
a ela por laços de imenso amor. Ambos procedem de lutas enormes, na teia
infinita do tempo. A mulher irresponsável de ontem, hoje é mãe amorosa e digna,
à procura da própria regeneração. Tendo abandonado outrora o marido, foi
induzida a desposar um homem animalizado, com quem se encontra igualmente
enleada por laços do pretérito e que, em não a entendendo agora, relegou-a ao
esquecimento. Recebeu, contudo, antigos associados de destino por filhos do
coração, que conduz para o bem. Em contra-posição às facilidades delituosas do
passado, atravessa atualmente aflitivos obstáculos para viver.
Simpatia incoercível inclinounos para aquela mulher em provas tão ríspidas.
(...)
Antonina, modificada, esfregava os olhos como quem não desejava acreditar
no que via, mas, resignando-se à evidência, continuou:
— Compadece-te de mim!
compadece-te!...
— Lola, donde vens? — perguntou o
infeliz.
— Não
me induzas a lembrar!...
- Não lembrar? Que condenado no tormento da expiação será capaz de
esquecer? A culpa é um fogo a consumir-nos por dentro...
— Não
me reconduzas ao passado!...
— Para mim é como se o tempo fosse o
mesmo. O inferno não tem horas diferentes... A dor paralisa a vida dentro de
nós...
— É preciso olvidar...
— Nunca! O remorso é um monstro
invisível que alimenta as labaredas da culpa... A consciência não dorme...
— Não me rebentes o coração!
— E acaso o meu não vive estraçalhado?
O diálogo prosseguia comovente e
Antonina, genuflexa, explodindo em angustiosa crise de lágrimas, implorou com
mais força:
— Não golpeies minhas feridas mal
cicatrizadas! Não se rouba ao devedor o ensejo de pagar!
— Entretanto, por ti — gemeu o
interlocutor —, enredei-me no crime.. Amei-te e perdi-me. Trazias nos olhos a
traição disfarçada... Oh! Lola, porquê, porquê?...
E, ante o doloroso acento com que essas palavras eram pronunciadas, a
pobre mulher suplicou, mais triste:
— Leonardo, perdoa-me!... Sofri
muito... Enlouqueceste, é verdade! Mas, a perturbação que me atacou era mais
lastimável, mais amargosa!... Sabes o que seja o caminho da mulher aviltada,
entre o arrependimento e a aflição? Meditaste, algum dia, no martírio do
coração feminino, relegado à penúria e ao abandono? Refletiste, alguma vez, na
desilusão e na fome da meretriz desprezada e doente? Acaso, poderás perceber o
que seja a flagelação de quem espera a morte, sob o sarcasmo de todos, entre a
sede e o suor? Tudo isso conheci!.
— Matei, porém, por tua causa... —
tartamudeou o mísero, infundindo compaixão.
— Naquele tempo — alegou a infortunada
—, fiz pior. Exterminei minha alma... Esposa, troquei o altar doméstico pelo
mentiroso tablado do gozo fácil; mãe, envileci o mandato que Deus me concedera,
crestando todas as flores de minha felicidade!...
— Pudeste, no entanto, realizar o
reerguimento que ainda não consegui... Foste, em suma, feliz!...
— Feliz? — bradou Antonina,
semidesesperada — acusas-me de infiel, quando, como tantos outros, te cansaste
de mim, procurando outras novidades e outros rumos !... Vi-me sôzinha,
enferma, aniquilada... Debalde busquei afogar no vinho do prazer a horrível
impressão do abismo em que me precipitara, porque, quando o desencanto e a enfermidade
me relegaram à margem da vida, acordou-se-me a consciência, inculpando-me,
desapiedada... A morte recolheu-me na vala da miséria, como um carro de
higiene pública reclama o lixo da sarjeta... Estarás habilitado a
compreender-me o sofrimento em toda a extensão?... Por muitos anos, vagueei
aflita, como ave sem ninho, refugiada no espinheiro de dor que cultivara em
mim mesma... Esmolei proteção, junto daqueles que me haviam sido afetos
estimulantes da juventude... Ninguém se recordava de mim... Não me cabia
recolher uma gratidão que eu não semeara... Até que um dia...
Antonina passou a destra pela fronte pálida, como se evocasse velhas
recordações fortemente trancadas na memória. Seu olhar adquirira a assustadiça
expressão dos enfermos que a febre torna dementados.
Findos alguns instantes, exibiu no rosto a surpresa de quem se banha num
relâmpago de luz.
Parecendo haver encontrado a imagem que ansiosamente procurara, continuou:
— ... até que um dia, senti que me chamavas com pensamentos de carinho e de
paz... Rememoravas alguns traços elogiáveis de nossa vida, recompondo na
lembrança as festas que organizávamos em favor dos combatentes mutilados... As
tuas divagações, arrancando ao pretérito as raras reminiscências felizes que
poderíamos identificar, caíram sobre mim como bálsamo refrigerante... Chorei
aliviada e adormeci em tua casa, no aconchego da família que tiveste a ventura
de constituir...
Interrompeu-se Antonina, figurando-se-nos incapaz de prosseguir
recordando. Via-se que esbarrara com insuperáveis impedimentos íntimos.
Emudecera, torturada pela incapacidade mnemônica que a assaltara de
improviso, contudo, o nosso orientador acercou-se dela e afagou-lhe a cabeça,
deixando perceber que a auxiliava magnêticamente na recuperação das próprias
forças.
— Não posso saber — gritava Leonardo não posso saber! Desde que meu
espírito foi ocupado por «ele», não consigo coordenar as idéias que me são
próprias... Sim, certamente sou culpado... Tens razão... Podias ter recebido
meu concurso... Não me cabia pensar em ti como se fosses tão somente mulher.
Mais calma, a pobre interlocutora Suplicou, triste:
— Agora, que te capacitas de minhas dificuldades, perdoa-me. Não me move
outro desejo senão o de renovar-me! Sofri muito, aprendi duramente!.. Peço a
proteção da Divina Bondade para todos aqueles que me não compreenderam e procuro
sinceramente olvidar as ofensas que outros me assacaram, como desejo sejam
esquecidas as ofensas que pratiquei contra os outros!... Não me reconduzas,
pois, ao passado!... Compadeceste de mim!...
Reparávamos com assombro, que Leonardo e Antonina sob o controle paternal
de Clarêncío, se mantinham detidos na Posição vibratória em que haviam
sübitamente caído.
Porque não se recordavam os dois do parentesco que os reunia?
Nosso instrutor, assinalando-nos a indagação socorreu-nos, esclarecendo:
- Encontram-se ambos imobilizados em certo momento do pretérito, num
encontro provocado por influência magnética. Em tais recursos utilizados por
nosso plano, no tratamento salutar das moléstias da alma, determinados centros
da memória se reavivam, ao passo que outros empalidecem. As sensações do
presente dão lugar às sensações do passado, para efeito de reajustamento
perante o futuro. O fenômeno, porém, é momentâneo. A breves minutos
regressarão à consciência normal, melhorados para a boa luta.
A explicação não podia ser mais satisfatória nem mais simples.
O Ministro continuava prestando
assistência à nossa amiga, qual se Antonina não devesse avançar na faixa de
lembranças.
Aceitando-lhe os apelos, Leonardo como que arrefecera o ímpeto inicial de
desesperação.
(...)
Logo após, amparando Antonina, procurámos restitui-la ao quarto particular.
Considerámos, então, que se grande fora a ventura da pobre senhora na
véspera, naquela noite assemelhava-se, desditosa, a um trapo de sofrimento.
Encontrámos grande dificuldade para recompô-la em espírito e para relígá-la
à vestimenta carnal, quase inerte.
Revelava-se imensamente confrangida.
Por mais de duas horas mereceu-nos especial atenção. Somente depois de
considerável esforço de Clarêncio, conseguiu refazer-se. Vimo-la acordar,
exausta e entontecida.
Algo aliviada, Antonina acreditou-se liberta de estranho pesadelo. Ainda
assim, sem saber explicar a razão, torturada e apreensiva, continuava
soluçando...
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